Abro meus olhos e vejo três pequenos pássaros pousando em minha janela, enquanto entrava aquele ventinho que balançava as cortinas brancas. É de manhã, me espreguiço e chego próxima a janela e os três pequenos pássaros saem voando para o distante, tão ariscos. Sei que não preciso me preocupar, antes de voarem os passarinhos sempre me falam isso. Fecho os olhos para sentir mais uma vez aquela brisa quente, é verão, sinto o cheiro de canela vindo da árvore do meu quintal, ouço o barulho de garotinhas pulando corda no pouco pedaço de concreto que a rua é feita.
“Sei que não preciso me preocupar”, pensei comigo mesma enquanto saía correndo para pular em minha cama e afundar meu rosto no travesseiro velho. Tentava organizar meus pensamentos, tentava ser minha própria psicóloga: “Algumas vezes cometemos erros, e quanto mais você achar que as coisas estão mudando enquanto você não faz nada, mais vão continuar as mesmas. Só que, não hesite!” Do mesmo jeito parecia que não adiantava.
Fui até o espelho, e a garota do outro lado, idêntica a mim, de cabelo preso e bagunçado e pijama já pequeno para o seu tamanho parecia me falar: “Garota, coloque seu som pra tocar. Diga-me, qual é sua música favorita? Vá em frente, solte esses seus cabelos!” Repensei no que ela disse e interpretei. Peguei meu mp3 antigo que marcava nele: mp2-mp3. Coloquei minha blusa cor safira e meu jeans surrado.
Agora estava pronta, fui novamente consultar a garota do outro lado, a garota do espelho. Para ela eu não estava pronta. Ela me olhava torto, analisava como se houvesse algum erro; depois de um tempo, ficou com cara de surpresa e me disse: “Olha, espero que alcance seus sonhos. Olhe! Seu cabelo! Tão lindo, solte seu cabelo, ele faz parte de você, ele não impedirá de que você se encontre em algum lugar. Isso eu sei, de alguma maneira”, então ela piscou para mim e sorriu. Meio hesitante soltei e fui.
Peguei minha bicicleta coloquei meu mp2-mp3 em meus ouvidos, coloquei minha música favorita, fui andando com a bicicleta tentando me encontrar por aí.
Azul, tão azul estava este céu do dia de hoje, queimada por andar de bicicleta me procurando de baixo do sol do meio dia. Lá, lá bem estava eu queimada, bebendo chá do bar da estrada. “Apenas relaxe, apenas relaxe” tentando não explodir comigo mesma por não me lembrar do protetor solar. Para me acalmar, me lembrava da minha antiga amiga, me falando enquanto eu chorava por ter sido traída por meu primeiro amor: “Não deixe aqueles outros garotos te enganarem”, falava no plural porque ela achava que além de garotos, eram cachorros, cavalos, ratos... E depois me disse: “Tem que amar aquele penteado afro!”, e apontou para o penteado black power de um garoto que passava pela nossa frente. Juarava ela, que se fosse garoto, teria um penteado daquele. Ela era estranha, mas tinha um grande e bom coração.
Estava com medo de não me encontrar, só que há um porém: Nós, seres vivos, sentimos medo. Só que parece que quanto mais você continua sendo você mesmo, acreditando em você, mais parece que ele muda. Acho isso estranho, você não acha?
Voltei para casa, pensando no que aquela garota do espelho tinha me dito: “Garota, coloque seu som pra tocar. Diga-me, qual é sua música favorita? Vá em frente, solte esses seus cabelos!”, “Olha, espero que alcance seus sonhos. Olhe! Seu cabelo! Tão lindo, solte seu cabelo, ele faz parte de você, ele não impedirá de que você se encontre em algum lugar. Isso eu sei, de alguma maneira”. Isso era demais para mim, era muito mais do que eu poderia aguentar, compaixão pelo bem da compaixão eu estava tendo, para me achar no meio de todo o resto.
Eu não conseguia aceitar que isso era muito, tive insônia, muitas noites sem dormir, estava achando que era muito mais forte do que sou. Em uma noite foi um basta! Agora percebi que só existe este meu eu, não tem mais o que encontrar. E só agora percebi que a garota do outro lado era falsa – falsa nos dois sentidos, foi falsa comigo e era literalmente falsa, ela não existe e nunca existiu. Sorria comigo mesma, balançando a cabeça negativamente enquanto pensava que podia fazer o que quisesse, estava livre, não tinha mais problemas. O que a garota falsa tinha me dito não ia mais ecoar em minha mente. E o que agora queria fazer era dormir, não ter insônia. E então, dormi.
Texto inspirado pela música: Put Your Records On